Ouça a entrevista completa:

Mais do que reproduzir canções e homenagear uma das maiores cantoras que o Brasil já teve, o momento é também de olhar para si mesma e entregar. Apenas entregar. É assim que podemos resumir o show que Adriana Calcanhotto traz a Curitiba nesta sexta-feira (5), no Teatro Guaíra, homenageando Gal Costa, que se foi em novembro do ano ado. Os ingressos ainda estão disponíveis. Mais detalhes abaixo.

Foto: Giordano Toldo/Reprodução/Instagram Adriana Calcanhotto.

Gal: Coisas Sagradas Permanecem é um show que partiu da ideia do produtor e diretor artístico de álbuns e shows de Gal Costa, planejado para celebrar o legado da cantora. Adriana Calcanhotto atravessa diferentes momentos da história da intérprete e, em entrevista à Banda B, contou que essa viagem foi um verdadeiro encontro consigo mesma.

“De alguma maneira, eu estou me vendo nas canções mais do que eu imaginava. E de certa forma, isso é um presente, porque em nenhuma outra situação eu poderia cantar Recanto Escuro ou Meu Nome é Gal, ou mesmo Índia ou outras canções do roteiro. Eu não teria uma outra situação para poder interpretar”. 

O processo de escolha do repertório, segundo Adriana, parecia muito livre no começo, saltando aos olhos a diversidade de escolhas do repertório de Gal Costa. Depois, ficou claro que ficariam mais canções de fora do show, por conta das possibilidades.

“O critério do Marcos Preto, de saída, foi muito bom para nos nortear porque era o seguinte: ‘vamos ficar com algumas canções que foram escritas para ela’. De cara quando recebi o convite eu falei que queria abrir o show com Recanto Escuro, a única coisa que eu já sabia. Essa música estava no critério de músicas escritas para ela, tinha Meu Nome é Gal, Caras e Bocas, que é uma música do Caetano e letra de Maria Bethânia. Isso foi uma coisa que foi nos ajudando. A ideia era um projeto de intérprete, eu intérprete de outra intérprete, mas no sentido de me apropriar que foi isso que ela me ensinou com o trabalho dela”. 

Ambas já se conheciam. Mas Adriana conta que, no processo de preparação do show, parou para ouvir novamente as músicas de Gal Costa, e percebeu que havia ali muito da sua própria personalidade artística.

“Cheguei na fase dos discos que foram os discos que comecei a ouvir quando parei de ouvir somente as músicas que meus pais ouviam, que comecei a escolher os meus discos, eu me dei conta que não é que eu conhecia as canções e o canto dela, eu sabia todos os arranjos, tudo que a flauta faz, o baixo, tudo. É uma coisa com muito mais intimidade do que eu supunha. Dali desse momento que eu escolho os discos em diante, até o último”. 

O show reúne, além dos músicos e da produção que acompanhava Gal, alguns elementos cênicos e representativos da carreira dela. Adriana Calcanhotto contou que isso tudo aconteceu de forma bem orgânica e muito natural. As histórias se entrelaçam o tempo todo.

“Marcos Preto já estava trabalhando com a Gal e com o Omar Salomão, filho do Waly, que eu conheço desde pequenininho. Tem esses pontos e interseções. O Pedro Sá, por exemplo, que está na minha banda Errante e tocou muito com Gal. O Duda Melo, que é o meu técnico de som na turnê Errante e já trabalhou comigo em várias outras, era o técnico de som da Gal. Às vezes não são só ideias, são coisas que vem porque estão ali com as pessoas. Tem essa mistura real e também as ideias, as coisas que foram vindo”. 

Foto: Ricardo Nunes/Reprodução/Instagram Adriana Calcanhotto.
Foto: Ricardo Nunes/Reprodução/Instagram Adriana Calcanhotto.

A a e os seios

Além da música, da equipe e até mesmo da energia de Gal Costa, o show também proporcionou a Adriana Calcanhotto reproduzir situações emblemáticas. A primeira delas é a a, já que Gal contou que aprendeu a cantar com uma a na cabeça, para ouvir sua própria voz e explorar o timbre e a respiração.

“A coisa da a foi minha ideia porque eu sempre tive essa imagem da Gal. Desde a primeira vez que ouvi ela falando que tinha um encantamento com a própria voz, que é uma coisa que eu nunca tive. Eu sempre dizia nas minhas entrevistas, eu não sou o tipo de cantora como Gal Costa, que tinha encantamento desde pequena pela própria voz. Eu canto nos termos de viabilizar os poemas que eu queria dizer, mas não o canto em si, a minha voz, essa coisa. Então a imagem da a pra mim era uma coisa muito emblemática, muito forte, mas eu nunca tinha visto o gesto. Eu achava que ela enfiava a cabeça inteira e aí o Marcos Preto conseguiu, me mandou durante os ensaios, uma entrevista dela para o Jô Soares, onde ele dá uma a e ela mostra o gesto. Eu reproduzo esse gesto no show”. 

Logo com a estreia da turnê, virou assunto no meio jornalístico musical o fato de Adriana Calcanhotto reproduzir uma cena de um show de 1994, em que Gal Costa mostrou os seios em protesto. Essa ideia não veio da cantora, mas sim de Marcos Preto. Mas ela topou de imediato.

“Eu acho que me pareço muito com a Gal, ou acontece uma coisa muito semelhante ao que acontecia com ela, que a gente por ter um temperamento mais doce a uma ideia de não ousadia, uma ideia equivocada de não ousadia. Eu já fiquei nua em pelo para a Rita Lee num estádio para 12 mil pessoas, a Gal em cada entrevista que dava lançando alguma coisa sempre tinha um assunto e ela dizia ‘porque estão espantados, se eu gosto de correr riscos’. Mostrar os seios no final do show é justamente para lembrar isso, tanto de uma quanto de outra […]. Uma coisa que eu gosto muito nela é nessa capacidade de entrega […]. É uma coisa que eu iro e acho que aprendi um pouco com ela”.

Ingressos à venda

O show de Adriana Calcanhotto homenageando Gal Costa em Curitiba estão disponíveis com valores a partir de R$100 (meia-entrada) + 10% taxa , de acordo com o setor escolhido. A venda é feita pelo e estão disponíveis pelo site Brasilidades 10 anos.

Foto: Divulgação.

Novo projeto musical

Essa visita e Adriana Calcanhotto a Curitiba pode ser apenas a primeira de 2023. Isso porque ela está viajando o país em turnê do novo disco, Errante, que lançou em março deste ano.

O 10° álbum de estúdio da cantora traz um conceito diferente dos outros projetos já feitos por Adriana, explorando um novo jeito de se fazer música e, principalmente, de lançar música. 

“Cada um é de um jeito, mas na média eu estou fazendo um disco que eu mais ou menos sei o que é. Mas no caso do Errante, não. Foi muito diferente porque eu fui acumulando canções que compus de 2016 a 2021. Fui para o estúdio para gravar e registrar um material inédito de compositora, disco de autora, tinha o material e iria registrar. Não sabia o que ele era. Gravei as 18 inéditas e aí fui decupando, fui tirando coisas, aí caiu uma, caiu outra, ficou o recorte final. Desse recorte final ainda foram caindo até o último momento, antes da masterização ainda caiu uma completamente mixada, completamente feita. É o que eu gosto, ir lapidando, cortando, essencializando”. 

Nesse processo “da peneira”, como diz Adriana, o disco foi se revelando. Veio daí o lance de estar em movimento, de ser ‘errante’, de ser nômade, das escolhas dela por estar na estrada. 

“Me dei conta disso na pandemia, justamente quando comecei a sentir falta da vida na estrada do jeito que ela é, da parte chata, da parte ruim, dos perrengues. Não tinha saudades de uma estrada idealizada, glamourosa, que inclusive é pouca. Estava sentindo muita falta de estar em movimento, e isso se apresentou pra mim. O lance de descobrir que tenho anteados que fugiram do porto, da inquisição. Essas duas coisas, do recorte que se fez das canções que eu tinha, deram do Errante. Pela primeira vez foi desse jeito que eu fiz um disco”. 

Em Nômade, uma das músicas do novo projeto, Adriana cita uma frase de Gilberto Gil que diz: “não tem o que não dê trabalho”. Segundo a artista, continuar se desafiando a produzir é algo que dá trabalho. 

“Isso é uma constatação de Gilberto Gil, essa pessoa completamente consagrada, muito experiente, a partir de um perrengue de produção, de uma coisa toda que era inútil porque já tinha acontecido, mas que é normal. Quando todo mundo pára de discutir ele diz ‘não tem o que não dê trabalho’. Justamente não tem o que não dê trabalho e aquilo me bateu tão fundo. Essa canção é feita a partir da minha observação dele na estrada. A partir dessa provocação, é sim de desafio de construção, desafio de se desafiar”.