Uma em cada quatro gestantes viajou em média 62 km para dar à luz em hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde) entre 2010 e 2019, segundo estudo recente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) publicado na revista The Lancet.

O problema é mais grave no Norte e Nordeste do Brasil, onde gestantes percorrem de 57 km a 133 km para chegar em um hospital. O tempo de deslocamento entre o município de origem e a cidade onde serão atendidas pode variar de 54 minutos a quase seis horas.

No Sudeste e no Sul, o estudo encontrou resultados melhores. Nas duas regiões, os deslocamentos podem variar entre 37 km e 56 km, com uma duração de 38 a 52 minutos de viagem.

gravidez-gestante
Foto: Space_Cat/Adobe Stock

Foram analisados 6,9 milhões de partos registrados no SIH (Sistema de Informações Hospitalares) do SUS em dois períodos: 2010-2011 e 2018-2019. Do total, 1.759.306 (25,4%) envolveram deslocamento.

O percentual de mulheres que precisaram sair do município de origem para dar à luz subiu de 23,6% no primeiro biênio para 27,3% entre 2018 e 2019.

A distância percorrida também aumentou 31%, saindo de 54 km para 70,8 km. O tempo de viagem, que antes era em média 63 minutos, subiu para 84 minutos, um aumento de 33,6%.

Com participação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), o estudo aponta que a necessidade de viajar para o parto pode ser motivada por diversos fatores, como falta de hospitais próximos e busca por melhor atendimento.

“São muitas as motivações pelas quais as gestantes se deslocam. Uma delas certamente é a falta de um hospital próximo, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, que têm áreas rurais muito extensas”, diz a coordenadora do estudo, Bruna Fonseca.

A demora no atendimento pode causar complicações graves, além do óbito da mãe e do bebê, segundo a obstetra Monique Novacek, da Clínica Mantelli.

Foto: Ana Nascimento/MDS/Portal Brasil

“A mãe corre risco de ruptura uterina, hemorragia intensa e infecção grave. Se ela tiver hipertensão ou diabetes, pode ter eclâmpsia, que é uma convulsão grave. Já o bebê pode sofrer hipóxia, ou seja, falta de oxigênio ao nascer”, alerta.

Em partos prematuros, o risco é ainda maior. “A demora pode levar a sequelas neurológicas graves, como paralisia cerebral e hemorragia intracraniana”, acrescenta a especialista.

Das mulheres que se deslocaram para o parto, de acordo com a pesquisa, 24.569 tiveram algum desfecho negativo (morte da mãe, do bebê ou de ambos). Isso dá 1,4% de todas as gestantes que viajaram para dar à luz.

As pacientes que sofreram óbito materno ou neonatal percorreram distâncias ainda maiores. Em 2010-2011, essas pacientes viajaram, em média, 75,8 km por 82 minutos, enquanto as que tiveram partos sem complicações percorreram 56,7 km em 64 minutos.

Em 2018-2019, a média de deslocamento das gestantes com desfecho adverso subiu para 94 km e 100 minutos, contra 74,9 km e 85 minutos entre as demais.

Fonseca explica que apesar da distância e o tempo de viagem serem considerados fatores de risco para mães e recém-nascidos, o estudo reconhece que outros fatores podem influenciar esses resultados, como o estado de saúde preexistente da mãe, a infraestrutura hospitalar e o o ao pré-natal.

O intervalo de tempo analisado pelo estudo buscou refletir mudanças na atenção materno-infantil no Brasil antes e depois da criação da Rede Cegonha, projeto lançado em 2011 pelo Ministério da Saúde. O objetivo do programa era ampliar o o a maternidades e melhorar a qualidade do atendimento às gestantes e bebês.

Embora algumas políticas públicas, como a própria Rede Cegonha, tenham ampliado o número de leitos obstétricos em unidades de saúde, ainda não há critérios claros sobre a distância e o tempo máximo aceitáveis para o deslocamento das gestantes, destaca Fonseca.

“A pesquisa usou o projeto como referência para avaliar mudanças no o ao parto hospitalar. Embora tenha havido avanços, barreiras geográficas ainda dificultam a assistência às gestantes, especialmente no Norte e Nordeste.”

Em 2024, a Rede Cegonha foi substituída pela Rede Alyne. Felipe Proenço, secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, afirma que o novo programa prevê a construção de novos hospitais de maternidade. A meta é reduzir a mortalidade materna em 25% até 2027.

“Existem localidades com vazios assistenciais que provocam o deslocamento das gestantes. A Rede Alyne vem para responder justamente a isso, com mais maternidades principalmente no Norte e Nordeste”, diz.