O total de pessoas atingidas por desastres ligados a chuvas no Brasil e o número dessas ocorrências atingiu em 2022 seu ápice em dez anos, mostram dados do sistema da Defesa Civil Nacional.

Foram 890.188 pessoas, considerando mortes, feridos, enfermos, desabrigados, desalojados e desaparecidos, 150% a mais também em comparação a 2012.

Elas foram afetadas por 2.576 registros de chuvas intensas, enxurradas, alagamentos, inundações e movimentos de massa (como deslizamentos de terra), um aumento de 402% em relação a 2012.

Os dados são do S2iD (Sistema Integrado de Informações sobre Desastres), alimentado por governos estaduais e municipais.

Ainda não há informações consolidadas para 2023, ano em que o Brasil, mais uma vez, viu destroçadas pelo poder de chuvas intensas cidades do litoral paulista, como São Sebastião, e do Rio Grande do Sul.

ROCA SALES (RS), 07/09/2023 – Cheia do Rio Taquari deixa a cidade de Roca Sales devastada e centenas de famílias desabrigadas. A manhã desta quinta-feira (7), foi de muita consternação para os moradores da cidade após a baixa do Rio Taquari que circunda a cidade e saiu do seu leito e atingiu dez metros acima do nível normal, deixando também mortos e feridos. (Foto: EVANDRO LEAL/Agência Enquadrar/Folhapress)

Uma chuva intensa não é qualquer pancada de chuva. Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), que, por sua vez, segue a Cobrade (Classificação e Codificação Brasileira de Desastres), uma chuva intensa pode ser classificada como uma precipitação “com acumulados significativos, causando múltiplos desastres”.

A série histórica de ocorrências do S2iD tem início em 1991, porém, uma parte considerável dos dados é retroativa, considerando que o sistema só foi instituído por um decreto de setembro de 2012. No ano seguinte, para reconhecimento, em nível federal, de uma situação de emergência ou estado de calamidade, o uso do S2iD se tornou obrigatório.

O próprio Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) só surgiu em julho de 2011, após a destruição e o enorme número de vidas perdidas por uma chuva intensa e deslizamentos atingirem a região Serrana do Rio de Janeiro.

Olhando mais detidamente para a última década (considerando a criação do sistema de informações), além do crescimento visto em 2022 (de 86%), houve duas outras ocasiões com saltos proeminentes de ocorrências: de 2016 (com 566 registros) para 2017 (com 1.150) e de 2012 (com 513 registros) para 2013 (1.002).

Pensando em pessoas atingidas na última década, houve picos, além do visto em 2022 (74% de aumento em relação ao ano anterior), em 2019 (214% e mais de 319 mil atingidos), 2017 (177% e mais de 306 mil atingidos) e 2013 (63% e mais de 581 mil atingidos).

O aumento na frequência de eventos extremos é a prova, segundo o físico e professor da USP Paulo Artaxo, de que os efeitos do aquecimento do planeta já chegaram.

“O que está previsto nos relatórios do IPCC [ Internacional para Mudanças Climáticas da ONU] é exatamente o que está acontecendo agora. Vemos na Líbia, no Rio Grande do Sul e na China, é um forte aumento da concentração das chuvas.”

No leste da Líbia, inundações já deixaram ao menos 11 mil mortos.

“Antes das inundações na Líbia, houve recorde histórico na Grécia, com 700 milímetros em 24h”, lembra o climatologista Carlos Nobre. Para ele, os registros de chuvas intensas compõem um cenário que exige respostas rápidas. “Os desastres vão continuar por muito tempo, até o fim deste século. Não sabemos o que acontecerá no próximo, mas não tem volta.”

Para definir exatamente a associação entre um evento climático extremo e as mudanças climáticas, cientistas fazem os chamados estudos de atribuição. Nesses trabalhos, avaliando dados e projetando cenários com e sem os níveis atuais de carbono na atmosfera, pesquisadores conseguem estimar se e quão mais provável e/ou intenso um evento em um dado lugar ficou devido à crise climática.

Em 2022, as chuvas que atingiram o Nordeste, principalmente Pernambuco, no fim de maio e no início de junho, foram estudadas. Sem o aquecimento global, os eventos ocorridos naquela ocasião seriam um quinto menos intensos, concluíram os autores.

Para outros casos recentes do Brasil, ainda não há estudos divulgados.

Segundo Nobre, é preciso um esforço global para cumprir as metas de redução de emissões de carbono, que considera difíceis.

“Na COP [conferência da ONU sobre mudanças climáticas] de Glasgow, em 2021, todos concordaram em reduzir quase 50% das emissões até 2030, e 2022 já foi o ano com mais emissões na história.”

Para o curto prazo, Nobre aponta que o desafio, especialmente no Brasil, é fazer uso da ciência pré-desastre já existente. Ex-diretor e coordenador da criação do Cemaden, Nobre diz que a tecnologia de alertas precisa de ações entre a população.

“Quando há um alerta, as populações precisam estar treinadas. Funciona, por exemplo, no Rio de Janeiro. A população em áreas de risco sabe para onde ir quando há alertas ou as sirenes disparam. Temos que generalizar esses sistemas em todas as regiões, são mais de 1.300 municípios vulneráveis a desastres.”

O envolvimento das comunidades, para que haja mais confiança em relação aos avisos e às respostas necessárias, também é citado como desafio por Mariana Nicolletti, coordenadora do Programa Adapta, do Centro de Estudos de Sustentabilidade da FGV (FGVces).