O ano era 1983 e Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de duas tentativas de homicídio por parte do seu marido, ficando paraplégica por causa de uma delas. Foram 23 anos de luta, mas Maria da Penha se tornou símbolo e dá nome à Lei nº 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Marco na luta contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha mudou completamente a perspectiva de punição para quem comete esse tipo de violência, contemplando ainda a criação de um sistema integral de proteção, de prevenção à violência, bem como de prestação de assistência às vítimas.
Mas qual a responsabilização criminal para quem comete violência contra a mulher?
Antes da edição da lei, o agressor que praticava violência contra a mulher até era punido, mas em regra, com base na Lei dos Juizados Especiais, destinada àqueles crimes de menor potencial ofensivo. É isso mesmo que você leu! A Lei dos Juizados Especiais tem como foco na primeira etapa, a realização de uma audiência de conciliação onde se buscava conciliar a vítima e o agressor, o que extinguia a possibilidade de punição. Na prática os casos que não eram conciliados, eram punidos, na grande maioria dos casos, com o dever de pagamento de cestas básicas pelo agressor.
Hoje o cenário é outro e a audiência de conciliação não é mais realizada nestes casos.
Vale lembrar que o pagamento de cestas básicas também não é mais uma forma de punição do agressor, uma vez que a lei vedou ao condenado por crimes de violência contra a mulher a aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa, conforme descreve expressamente o artigo 17.
Antes da Maria da Penha, a pena para o autor de violência contra a mulher era de no máximo um ano de prisão. Agora, pode chegar a três. E com as alterações promovidas pela lei, os agressores podem ser presos em flagrante. Ou, em casos em que não haja flagrante em razão da fuga do agressor do local, a prisão preventiva do mesmo pode ser decretada.
Neste salto significativo no combate à violência contra a mulher, também surgem as chamadas medidas protetivas. Elas estão previstas no artigo 22 da lei e podem ser decretadas pelo juiz para obrigar o agressor a:
– se afastar do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
– não se aproximar da vítima, de seus familiares e das testemunhas, devendo manter a distância estipulada na medida protetiva tanto da vítima, quanto de familiares e testemunhas;
– não manter contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
– deixar de frequentar determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima;
– suspender as visitas aos seus dependentes menores que morem com a mulher;
– fornecer alimentos;
– entre outras medidas que podem ser requeridas ou adotadas pelo juiz, com base em cada caso.
Quem a lei protege?
O artigo 2º da Maria da Penha diz que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
Importante destacar que a vítima necessariamente precisa ser mulher e pertencer ao gênero feminino. Significa dizer que, se a identidade de gênero é definida como a experiência pessoal, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, mulheres transgênero e transexuais são igualmente protegidas pela Lei Maria da Penha.
Ou seja, independentemente de “orientação sexual” (expressão adotada pela lei), a mulher tem direito à proteção. É o entendimento adotado em inúmeras decisões judiciais acerca do tema. Também é o que dispõe o parágrafo único do artigo 5 da lei: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.
Todavia, para eliminar qualquer discussão, está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 191/2017, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, para que conste expressamente que toda mulher tem direito a proteção contra a violência, independentemente de sua identidade de gênero.
Nas próximas semanas, vamos abordar os tipos de violência contra a mulher que são contemplados pela Lei Maria da Penha, bem como quais são as implicações penais para o agressor que descumpre medidas protetivas.
Dr. Igor José Ogar – advogado especialista em Direito Criminal. Com especialização em Harvard Law School, Dr. Igor atua de forma direta em casos de relevância na área criminal.Para abranger o perfil profissional, Dr. Igor tem formação acadêmica em Contabilidade, Transações Imobiliárias, Bacharelando em Ciências Econômicas e cursos no Brasil e exterior, nas mais diversas áreas da economia, exatas e direito. Além disso, exerce trabalho voluntário na área de Direitos Humanos e Proteção Animal.
Colaborou Jenifer Garvin – advogada criminalista com especialização em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná. Pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).